Nova sistemática de tributação promete alterar profundamente o fluxo financeiro das empresas, exigindo planejamento estratégico para adaptação ao pagamento dividido e novas regras de crédito tributário.

Crédito acumulado do ICMS, ter ou não ter, eis a questão

Crédito acumulado do ICMS, ter ou não ter, eis a questão

Por: Autor
10/02/2022

Com respeito, mas para espelhar o cruel dilema dos empresários em relação ao Crédito Acumulado do ICMS-SP, nós, que nos emocionamos com literatura e com o empresariado do país, pegamos emprestada uma das mais famosas frases do mundo e fizemos um trocadilho: “Ser ou não ser, eis a questão”, escrita por Shakespeare, por volta de 1600, para a peça Hamlet, na nossa versão assim ficou:  Crédito Acumulado do ICMS, ter ou não ter, eis a questão.

O tema é sério e além de procurarmos chamar a atenção das autoridades, mais que isso, busca-se lançar um pouco de luz no caminho dos executivos diante de um dilema, que não deveria existir, mas existe, que é o momento de decisão quando o Contador ou gerente financeiro leva a proposta de transformação do saldo credor de ICMS em crédito acumulado, sob alegação de, com a crise e a necessidade de melhorar o fluxo de caixa e converter o saldo credor do ICMS em uma quase moeda, possibilitará a aquisição de insumos, ativo imobilizado, pagamento de débito tributário, etc., com o prórpio imposto e o executivo.

Diante das oportunidades, a apreensão decorrente de uma ação fiscal, os pontos tributários fortes e fracos da empresa, reflete sobre  o que fazer: “Crédito Acumulado do ICMS, ter ou não ter, eis a questão”.

Assim como a peça Hamlet nos ensina algumas lições, talvez com o Crédito Acumulado do ICMS seja possível aproveitar algumas delas, e uma recomendável é ter cuidado para não ficar paralisado com a prudência ou o medo em excesso.

As hesitações do príncipe Hamlet são infinitamente maiores do que a de nossos executivos, contudo, a possibilidade de requerer o crédito acumulado e ser fiscalizado abusivamente ou mesmo de ver seu processo paralisado anos na Sefaz, gera um medo que não poderia ser mais pertinente, qual seja o de perder o emprego se der tudo errado, se equivocar nas análises para tomada de decisão e no fim, opta por “melhor deixar quieto”.

Só que nosso príncipe age

Assim como o príncipe age quando deparado com o que julga ser um ambiente de deterioração da ética e do bom senso, cabe ao dirigente enfrentar as mazelas de um estado de governo, onde o direito de o contribuinte ter devolvido o que pagou de ICMS é afrontado pela desorganização política, a corrupção, o corporativismo de quem deveria cumprir com a sua função, assim como outras lutas inglórias.

É um jogo onde se procura disfarçar o que deve ser com o que parece ser na administração fazendária. As empresas, as entidades de classe patronal e profissional, o legislativo e a administração fazendária admitem que as empresas merecem ter devolvido esse ICMS, mas nada acontece. 

O dirigente será tentado pelos oportunistas, como as conhecidas empresas de consultoria especializadas em apuração de crédito acumulado, que dizem fazer “milagres” nos arquivos digitais e junto à administração pública para conseguir sua liberação, – ainda que fosse possível, no futuro isso poderia custar caro, em razão das imponderáveis da vida que reservam surpresas como a fiscalização de um crédito acumulado e ao final autuação, apesar de apropriado, autorizado e transferido.

As dúvidas, as apreensões, estão postas; o que fazer?

Quando consultados sobre se esses quesitos costumamos dizer ao dirigente da empresa, em primeiro lugar, que diante da complexidade tributária em nosso país não existe uma empresa que consiga cumprir com todas as obrigações acessórias e principais relacionadas aos tributos sem erros.

Em vez de ficar paralisado pelo receio e perder a oportunidade de recuperar este imposto, pois existe um limite de tempo para se buscar a apropriação do crédito acumulado, sempre dissemos, em vez de perder para sempre, melhor protocolar, porque mesmo que o Fisco atrase a liberação, esse valor poderá ser corrigido pelo judiciário, como já está ocorrendo.

Entretanto, como cautela, alertamos que alguns cuidados devem ser adotados e nada melhor que um bom planejamento com ações e fases que antecedem mesmo os preparativos de elaboração dos arquivos exigidos do Crédito Acumulado, iniciando pela conciliação dos livros, GIAs e documentos fiscais, por exemplo, os registros do bloco K estão em harmonia com os do bloco H (inventário) da EFD-ICMS-IPI.

Isso é importante, pois o fisco poderá confrontar as quantidades dos estoques das fichas 1-A – matéria prima ou 2-A, produtos em elaboração, por exemplo, do Sistema de Custeio da PCAT 83/09, com as informações existentes nos registros do Bloco H (inventário) e Bloco K (Livro Registro de Controle da Produção e do Estoque) .

Para as empresas que desejam tentar requerer sem a colaboração de consultorias especializadas, não esqueçam de conciliar as GIAs do período a ser requerido com a EFD-ICMS-IPI do mesmo período e estes com os arquivos gerados do Crédito Acumulado, pois este trata-se de um item de confronto do Fisco na pós-validação destes arquivos.

No planejamento, para fins de identificar qual é o valor aproximado de direito ao Crédito Acumulado, inclua o quesito de excluir do saldo credor do ICMS, o saldo que se encontra há mais de 5 anos, conforme disposto no inciso IV do artigo 72-B do RICMS, os créditos provenientes de aquisição de ativo imobilizado e a centralização de escrituração. Ou seja, nem sempre todo o saldo credor do ICMS poderá ser transformado em Crédito Acumulado.

Opções

Diante das opções entre requerer o Crédito Acumulado através da Portaria CAT 83/09- Sistema de Custeio, que exige um sistema de custo integrado, e a Portaria CAT 207/09 – Sistema Simplificado, o qual, pelo próprio nome diz, trata-se de uma apuração mais fácil. Tenha ciência que, no primeiro, o de Custeio, o potencial é de recuperação de 100% do crédito de ICMS utilizado na fabricação e revenda de produtos, enquanto na modalidade da PCAT 207/09.

Por ser mais simples, não obstante sua complexidade de construção de leiaute, esse porcentual é reduzido para aproximadamente um terço, o que torna o Sistema de Custeio da PCAT 83/09, altamente vantajoso, embora mais complexo.

Ultrapassada a fase de conciliação de livros fiscais, conforme a opção de sistema de apuração a ser utilizado, será necessário compor uma equipe multidisciplinar, no mínimo, com um profissional que domine bem tratamento de banco de dados, outro que conheça contabilidade de custos, outro especialista da área fiscal que domine a legislação do crédito acumulado e mais um da área de informática que domine programação para geração do leiaute das fichas no leiaute da Portaria CAT escolhida para nortear o método de apuração.

Se a opção escolhida foi o da Portaria CAT 83/09, a equipe deverá se preparar para formatar as fichas de controle previstas, em especial as fichas de insumo e revenda para o cálculo do custo pela média ponderada fixa.

Para que isso ocorra, será necessário o lançamento diário de entradas e saídas  de estoque e a empresa deverá ficar atenta, pois as quantidades geradas pelas fichas do sistema de Crédito Acumulado, deverão, ao final, coincidir com aquelas lançadas no Livro Registro de Inventário (estoque inicial e final) e no bloco K, ressalvando que os valores apurados nas fichas do crédito acumulado não deverão coincidir com os valores contábeis e do inventário, porque as empresas, em razão da legislação do Imposto de Renda, apuram o custo das mercadorias e produtos através do critério média ponderada móvel, em conformidade com o Parecer Normativo CST Nº 6/79. 

A Sefaz-SP, em relação à apuração do custo dos estoques, utiliza o critério da média ponderada fixa, pois esta consegue manter os valores de ICMS apurados nas fichas do sistema de custeio, de forma diária e por insumo, de cada entrada e saída, do estoque inicial e final, de tal forma estática ao longo do tempo, que a sua somatória mensal possibilita cruzar e validar com os valores do imposto contido na GIA-SP do mesmo período e assim confirmar se o contribuinte não está requerendo um valor maior que o devido.

Nesta fase de preenchimento das fichas de estoque, – Portaria CAT 83/09 – em especial as dos módulos 1, 2 e 3, há que se certificar da não existência de estoque negativo, um fato comum em empresas que não possuem sistema integrado de custo, o que nem por isso pode ser considerado sonegação, mas sim, muitas vezes, erros de processos internos não saneados que se identificados pelo fisco, com certeza, serão motivo de auto de infração e imposição de multa. Cuidado com os retornos de matéria prima enviadas para a produção industrial. 

Se esses fatos sobre inconsistências de estoque forem constatados durante a elaboração das fichas do Crédito Acumulado versus sua conciliação com os livros fiscais, recomenda-se o saneamento do registro H ou do K, ou mesmo  sendo o caso das fichas de crédito acumulado, ou de ambos, antes do protocolo do pedido de crédito acumulado no sistema e-CredAc, previsto na Portaria CAT 26/2010.

Um ponto de destaque na próxima fase de apuração através do sistema de custeio da Portaria CAT 83/09 é com a Ficha 5-A, pois será ela o elemento de transferência dos produtos quando os produtos estiverem prontos das fichas de produtos em elaboração para produtos acabados e nesse contexto exigirá, para cada produto acabado, a sua composição de custo.

Alertamos os iniciantes que redobrarem os cuidados com a Ficha 5-F “Tabela de Identificação do Item”. É importante não ter produtos lançados em duplicidade ou não relacionados com os constantes na Tabela de Identificação do Item e estes em confronto com os itens lançados no Livro Registro de Inventário – Bloco H da EFD-ICMS-IPI.

Superadas as questões técnicas operacionais neste drama empresarial tributário shakespeareano, algo que sempre vem à tona é o argumento da demora para a Sefaz autorizar a apropriação do crédito acumulado e, neste caso, as motivações para este retardamento são desde o volume dos pedidos em nível de estado, questões corporativas classistas e erros cometidos pelas empresas nos seus pedidos.

Faz-se ressalva de existirem notícias do judiciário dando conta de que empresas vem obtendo ganho de causa quando enfrentam tal situação com remédio judicial, vide processo nº 2134459-07.2020.8.26.0000. Neste caso, em seu voto, o relator, desembargador Alves Braga Junior, da 2ª Câmara de Direito Público, deu prazo de 30 dias para que as autoridades tributárias concluam a análise de todos os pedidos de apropriação de crédito acumulado de ICMS da agravante, sob pena de multa diária.

Como já dissemos, nesse sentido, é inquestionável ser melhor ter a expectativa de se receber valores de crédito acumulados estagnados há diversos exercícios na demonstração financeira, ainda que seja em 2 ou mesmo 4 anos, do que nunca receber nada e, ainda o pior, ter o desconforto de se defrontar com o desafio de como enquadrar corretamente, sob a ótica contábil, esse recurso no ativo da empresa; classificá-lo com base no “CPC 16”, ou como Ativo Não Circulante Realizável a Longo Prazo”, com lastro no inciso II do art. 179 da Lei 6.404/76 e manter um lucro fictício, ou baixar para o resultado com possibilidade de divulgação de perdas, em conformidade com o inciso II do art. 179 da Lei 6.404/76, e, por último, aplicar ou não um teste de “impairment”, enfim, em nossa opinião, é melhor requerer até porque é um direito e é um recurso legítimo que pertence à empresa.

Indo mais longe, por serem esses valores quantias bilionárias como direito das empresas e obrigação do estado referente à sua devolução, defendemos que na contabilidade pública estadual o saldo credor e o crédito acumulado de ICMS deveriam, obrigatoriamente, estar demonstrados em contas de passivo dos entes estatais, no mínimo, como demonstração de transparência, controle e boa gestão dos recursos públicos.

Na hora de decidir

A decisão de não se requerer o crédito acumulado por medo da fiscalização é irracional, pois talvez o que esteja se perdendo seja mais que suficiente para sanear eventuais fraturas expostas de erros fiscais cometidos, pois mesmo que houvesse autuação fiscal, simbolicamente, em R$ 3,00 e fosse autorizada a apropriação de crédito acumulado de R$ 100,00, a empresa, ainda assim, levaria expressiva vantagem, inclusive para quitar o eventual auto de infração lavrado.

Outro fato sobre esse tema de recomendável leitura e reflexão, relacionando-se às obrigações do fisco relativas aos prazos e diversos protocolos a serem obedecidos durante uma ação fiscal, é que no estado de São Paulo é vigente a LC 939/03, a qual instituiu o código de direitos, garantias e obrigações do contribuinte.

Assim, avaliar de forma estratégica o saldo credor de ICMS e sua possibilidade de transformação em crédito acumulado como meio de geração de fluxo de caixa pode, inclusive, levar a outras constatações durante a análise desse processo que podem ser benéficas para o planejamento estratégico, como exemplo, solicitações  de Regimes Especiais, reestruturação de formato de negócios com foco tributário e incorporação de rotinas sobre auditoria digital contábil tributária e aprimoramento do sistema de custo e integração com o ERP da empresa.

Por tudo isso, entregar os arquivos fiscais digitais (EFD-ICMS-IPI, GIA, XML, ECD, etc..) para empresas especializadas na apuração de crédito acumulado que colocam no contrato a consideração dos valores dos livros fiscais e contábeis como corretos, sem verificar suas inconsistências antes de montar os arquivos e serem validados pela Secretaria da Fazenda, é uma atitude temerária, completamente desaconselhável, a nosso ver, para recuperação destes créditos.

A ação em Hamlet nos traz a questão sobre o quanto a reflexão pode ser uma faca de dois gumes, pois se utilizada com ponderação, nos leva a agir, se utilizada em excesso, nos paralisa e acovarda. Por conseguinte, nossa experiência de décadas como auditor público e um dos participantes da equipe do projeto de informatização das rotinas do crédito acumulado deste estado, não deixa dúvidas, nem apreensões; usando a reflexão como estratégia para planos adaptáveis às circunstâncias, mas sem nos atrelar a fins cujos meios aéticos justifiquem sua obtenção, sempre vale mais a ação!

Fonte: Portal Contábeis

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